Um amor feliz


Não me lembro bem, mas creio que o primeiro filme que vi foi o Cantinflas, Bombeiro Atómico. Foi na esplanada da minha terra que só funcionava no verão e já não existe. Nesse dia, foi amor à primeira vista, desses de que se pode mesmo dizer que: foram felizes para sempre. E temos sido. Temos vivido fantásticos momentos, fascinantes, divertidos, vibrantes, arrebatados, empolgantes, intensos, emocionantes, apaixonados. Mas… como em qualquer relação de longa data, também houve ocasiões menos boas. Confesso mesmo que nos deparámos com situações perturbadoras, de desilusão, infidelidade, quase desinteresse, pura rotina e até, não o nego, de tédio. Mas o amor tudo vence e vamos continuar sempre juntos. Até que a morte nos separe.

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Crónica de uma morte anunciada: Terras da Costa #2


Pronto, está bem. Está aqui mais uma da exposição. Esta estará patente até ao dia 15 de Junho.Para quem não sabe, estas terras estão mesmo encostadas à Paisagem Protegida da Arriba Fóssil (ver aqui). Os ricos solos destas hortas têm como base rochas sedimentares com 15 milhões de anos (aqui) e, "a àrea de Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica, como o seu nome indica, é uma zona protegida, onde a captura de animais e a recolha de plantas e de fósseis é proibida, sob pena de aplicação de sanções" (aqui). Parece é que não está protegida do alcatrão. Esquecimentos!

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Crónica de uma morte anunciada: Terras da Costa


Serve o presente para anunciar uma exposição de fotografia. Na próxima quinta-feira dia 28, pela 21h30m, será inaugurada na Trafaria a exposição, organizada pela associação F4, ”Da Trafaria à Costa de Caparica” com fotografias de José Luís Guimarães, Luís Miranda e deste vosso amigo, no Auditório da JFT (Rua Sacadura Cabral nº 12). Irei apresentar imagens das hortas das Terras da Costa, na sequência do projecto de antropologia visual sobre hortas em espaço urbano, “Semear Salsa ao Reguinho”. Estão todos convidados.
Este caso reveste-se de particular dramatismo porque estas hortas, que abastecem de legumes frescos os mercados de Lisboa, estão ameaçadas de morte pela construção de uma auto-estrada entre a Trafaria e Sesimbra. Estrada essa que me parece de uma necessidade francamente duvidosa e cujo impacto ambiental se afigura tremendo. Continua-se a confundir construção desenfreada com desenvolvimento e isso tem um preço.

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Art in a cage

 
 
1- Se perguntarmos para que serve a arte, iremos ver que não são poucos os autores, dos mais anónimos aos mais conhecidos, que disseram que no fundo, no fundo, a arte não serve para nada. Quer dizer, não tem um valor utilitário, não se come, não se veste, não dá abrigo, não nos transporta de um lado para o outro… a sua ausência não traria risco para a nossa existência física, não poria a nossa espécie em vias de extinção. Partindo desta premissa (e sei que estou a ser redutor), se não serve para nada, então porque é que tantas vezes a arte incomoda tanto (tal como o sexo e o humor)? É impressionante a quantidade de obras das várias artes que foram alvo de censura ao longo do tempo, em todos os lugares deste planeta. Livros, filmes, quadros, músicas, fotografias, exposições… foram e continuam a ser proibidos, censurados, destruídos, queimados, obliterados por poderes, governos, igrejas, seitas, loucos, gente que se sente incomodada por algo que, no fundo, não serve para nada. Não é que essa gente, pelo menos alguns, ponha em causa o direito desta existir, não, a questão é que a querem domesticada, mansa, decorativa. Exactamente para não servir para nada.

2- E depois, há a street art, chamemos-lhe assim, graffiti, stencil, stickers, posters… Movimento artístico, vandalismo, fenómeno sociológico, lixo, intervenção social, praga, manifesto político, mensagem de amor ou ódio, marco de fronteira, mijadela na parede para demarcar território. Invadem as paredes como um vírus colorido. São tatuagens na pele das cidades. Arte de rua que não é só arte, nem só de rua. Se exposta numa galeria, ainda é street? E bombing e tags, serão art? Onde começa uma coisa e acaba outra? Quais os limites do gosto, da propriedade, do fascínio, da paciência…? É como um animal selvagem, sem controlo. Não seria melhor, por isso, estar numa jaula?
 


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Da arbitrariedade dos números




Eles andam aí, já repararam? Estão em todo o lado. Nas ruas e dentro de casa, nas cidades e aldeias. Estão nas escolas, nas fábricas, nos bancos e escritórios. Estão nos hospitais e nos aeroportos. Estão nas lojas mais pequenas e nos maiores supermercados, nos cafés e nas tabernas. Acendemos a televisão e lá estão eles. Vemos as horas e logo nos espreitam. Cruzamo-nos com eles nas estradas, nas praças, nos portos e nos navios. Dentro dos carros e fora dos carros, e comboios e autocarros. Não se pode abrir um livro ou um jornal em que não apareçam a olhar para nós. Vivem em todo o lado, seguem-nos por todo o lado, até no cemitério …

E há-os de todos os tipos, naturais, inteiros, racionais, reais e imaginários, negativos e positivos, complexos, hipercomplexos e até quaterniões hiperbólicos, para não falar dos hiperreais. E ainda os há perfeitos, deficientes e mesmo excessivos. Há os que são primos e os que vivem aos pares. E até há cardeais e outros que não digo mais. Mas lá que andam aí…
 

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Music addict


Há amores que nascem assim, precoces. Impudicos vícios insanos, quase monstruosos na urgência da volúpia. 

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Vende-se o céu*

* Nuvens não incluídas.

Temos à venda: - Pedaço de céu com pouco uso, bons ares e excelentes acessos em local privilegiado. – Lotes de oceano com estacionamento privativo. – Avó em bom estado com os dentes quase todos. – Férias em paraísos tropicais devidamente desparazitados de autóctones e mosquitos. – Máquinas para encantamentos de qualidade comprovada, sigilio garantido. – Animais de estimação ainda não extintos. – Rapazes dotados, carinhosos e atenciosos para senhoras ou casais. – Soluções para noivos que só ficam na promessa e nunca marcam a data do casamento. – Moradias com vista para uma vida melhor. - Espelhos que emagrecem 7 a 10 kg por mês. – Sonhos vintage com garantia. – Rins com pouca rodagem (descontos no par). – A virgindade da filha com certificado médico. – Candidatos quase honestos para governos e autarquias. – Sorrisos contagiantes embalados a vácuo. – Futuros radiosos em caixinhas de mogno (opção da fechadura em prata ou ouro). - Diplomas esterilizados para todo o tipo de necessidades. – Latas de aplausos para uso externo. – Amizades duradouras. – Kits de suicídio prontos a usar.
[Pagamento a pronto ou em suaves prestações, crédito especial para fornecedores.]

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Um Piano Atento


Está bem, já sei que a fotografia está desfocada. Foi tirada com uma câmara compacta, que por sinal até já se estragou, e que foi a minha introdução ao digital. A luz era fraca e num museu não se pode usar flash, como toda a gente sabe. Saiu assim, pronto, e é a única que tenho. Não, até saiu pior, mas um bocadinho de Photoshop deu uma ajuda. Então porquê usá-la? Já a viram bem, nitidez à parte? É todo um programa, de cliques (no fundo, este é um blogue de cliques) e potencialidades de escrita e reflexões profundas sobre a música, a arte e a vida. Digam lá que não gostavam de encontrar um piano assim, um confidente todo ouvidos… Tenho pena é de não me lembrar do nome do autor da obra. E vá lá, vejam os cliques (ficaram tantos de fora). Bom fim-de-semana. 

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Um rumor de asas









Sente-se a sua passagem na reverberação do ar, uma leve mudança na direcção do vento. Raramente sentimos a sua presença, só perceptível a nível molecular, como uma intuição ou uma descida de temperatura. Quase não deixam rasto. São como aqueles sismos tão suaves que só são registados por alguns animais ou dispendiosos instrumentos electrónicos, sofisticados e precisos. Mas são os ossos – um frio nos ossos, um arrepio agudo a descer pela coluna – quem melhor os detecta.
Dizem por aí que são belos e luminosos, de uma elegância infinita como a das estátuas antigas. Dizem também que nos ajudam e nos protegem e que são mensageiros de boas novas, de um futuro radioso. A verdade é que perscrutam os homens com olhos penetrantes, a arder de inveja da carne. Esvoaçam por aí em silêncio, vaidosos das suas asas. São sinais de desgraça, arautos do infortúnio. Como abutres, sobrevoam em bandos, cenários de catástrofes. A verdade é que a sua beleza é fria e perversa. E escondem na doçura do rosto o vício da queda. 


(lembrar Vasco Granja)

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# 2. Decapitados

O problema de se perder a cabeça é que depois esta é muito difícil de encontrar. Para não desesperar, tentei adaptar-me a esta nova situação. As pessoas habituam-se a tudo, não é? A ideia de enfrentar o mundo, assim decapitado, aterrorizava-me. Seria com certeza o centro das atenções de um mau espectáculo, a vedeta de um freak show. Mas alguma vez teria de ser e… finalmente saí de casa. Curiosamente, as pessoas mal reparavam em mim, passavam em passo apressado, ausentes, desatentas. Não sei se não me olhavam por delicadeza, repulsa ou por medo. Deambulei à deriva pelas ruas, tolhido pelo medo de ser reconhecido, com receio de parar e ser apontado, de ser gozado, agredido, talvez preso… Qual não foi o meu espanto quando detectei outros, decapitados. “Impossível, estás com alucinações”, se tivesse olhos tinha-os esfregado mas, e não é que era mesmo verdade? Ali, diante de mim, estavam outros decapitados e, reparando com mais atenção, havia decapitados por todo o lado, no trânsito das ruas, nas esplanadas, a entrar em edifícios, a sair de autocarros… Imaginei a minha boca bem aberta de espanto, afinal há mais como eu. Pensando bem, é lógico que haja mais, porque é que haveria de ser o único. Mas assim tantos?! O tempo passa e começo a habituar-me, as pessoas habituam-se a tudo, não é? Só que sinto cada vez mais a falta da minha cabeça.

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#1. Acéfalo


Esta manhã acordei com uma sensação… diferente. Ao contrário do costume, senti-me estranhamente leve, sem restos dos sonhos da noite a esvoaçarem no cérebro, sem as pálpebras coladas com pedaços de pesadelos, sem o habitual hálito nocturno. Uma sensação de tal modo nova, que me deixei ficar um pouco mais na cama, a tentar percebê-la. Levantei-me bem disposto, era uma boa sensação, como há muito não tinha, talvez desde miúdo. Entrei na casa de banho como de costume, ao fixar o espelho apercebi-me que este não me devolvia o olhar. Fiquei um pouco intrigado mas não dei muita importância ao facto e continuei a rotina. Mas quando quis lavar os dentes e não encontrei a boca é que percebi que não tinha cabeça. Não me consigo lembrar onde a deixei ou se a perdi, afinal até nem é grande o transtorno, nem sequer uso chapéu.

(E depois o blogue ganhou um prémio. Não me passou pela cabeça que tal poderia acontecer. É de perder a cabeça!)

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Vertigem


E saltou? e saltou? Pergunta alguém com a voz rouca de tanto suspense e comoção... 
Quando um salto é mais que um salto, a preparação é tudo. É preciso ajustar todos os pormenores. Cativar a atenção do público, amigos, vizinhos, turistas. Raparigas. Um salto tem de ser construído, tem o seu próprio ritmo, etapas a cumprir. Subir a torre, escalar o rebordo, medir a distância, o vento, o forte, a cidade. Depois não basta atirar-se, deixar cair o corpo como um saco ou uma pedra. É preciso cumprir o tempo, esperar até sentir o chamamento da água, a vertigem que sobe nas veias. Não é o saltar que interessa mas o movimento, a elegância do voo, a entrada perfeita no abismo da água. O salto, como o amor, é um combate, só ganho por quem o trava.
 
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